terça-feira, 22 de dezembro de 2009

cEGO

Parei no sinal vermelho. Como todos os cidadãos deveriam fazer. Ao som de Itapuã, Vinícius e Tom encerravam em grande estilo um dia de muitas atividades. Arranquei com o carro. Como todos os cidadãos fazem no sinal verde. Só então percebi aquele num-sei-que parecido com uma alma, segurando outro num-sei-que semelhante a uma pequena alma. Uma cara de súplica. Uma zoada de motor. Tudo foi tão automático que só depois de alguns segundos, muitos metros à frente, é que raciocinei que aquele não-sei-que era uma mulher, com corpo seco (literalmente), segurando uma criança, de corpo igualmente seco. Nos instantes seguintes senti pena. Remorso. Nojo de minha falta de visão, de minha falta de humanidade. Ansiedade. E, vai entender os caminhos do raciocínio e da memória, percorri meu HD natural em busca de situações nas quais eu verdadeiramente enxerguei aquilo que se esconde do outro lado do vidro fumê, a que insistem em chamar de realidade, e que a mim mais parece uma peça de teatro. E concluí que sou um cego. Míope, com um pouco de astigmatismo, mas para isso existem os óculos. Resolvem todos os problemas. A cegueira que descobri hoje não se resolve tão facilmente, se mascara nas defesas do EGO. Minha cegueira social é tamanha, que fora do carro não existem nomes: são todos mendigos. Não existem mães: são mulheres com crianças. Não existem seres humanos: são produtos de uma sociedade asquerosa. Nessas horas, recorro às aulas de Teoria da Comunicação: onde eu pego o trem para o Admirável Mundo Novo? Quem dera tudo pudesse ser automatizado. Alfas, Betas e Gamas, sem desejos. Algo que pudesse tirar da minha frente aquela súplica nordestina, vestida de mágoas e exalando a podridão de uma grande cidade, metida num país de merda com um presidente limpa-fossa. E muitos senadores, esses sim verdadeiros merdas, que aliados a deputados igualmente merdas, insistem em contar histórias de panetones e instituições da caridade. A suplicante nordestina entra na conta da Corrupção. Da lavagem de dinheiro, de uma sociedade carente de oportunidades e exagerada de desafios. Do Brasil. E quem paga a conta? O último a sair, por favor, apague a luz.

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